quarta-feira, 6 de outubro de 2010

República

Já sabiamos. Se o Ramalho Eanes estava na televisão e começava o discurso a chamar-nos portugueses, naquele tom solene e monocórdico tão próprio, era porque algo de grave se passava com a Pátria. Apesar da nossa pouca idade, eu e os meus irmãos moderávamos o tilintar dos talheres, tentávamos calar a conversa e fazíamos tudo por tudo para que, naquele momento vital para a Nação, não rebentasse um ataque de riso fraternal.

Os olhos dos nossos pais já estavam vidrados no écran a preto e branco. Seria o FMI? A bancarrota? Um golpe revolucionário de direita? Fosse o que fosse, tinham de ouvir com solenidade. Um homem da Revolução não enganava os seus concidadãos. Não lhes chamava portugueses com aquele tom de voz em vão.

E era assim. Apesar da sua figura caricata, da farda militar já desajustada aos tempos, das patilhas desmesuradas e do penteado da Manela, era o nosso Presidente. Representava a República e a República nunca era ridícula e merecia respeito. E aquele Presidente podia não ser o melhor do Mundo, mas de certeza que estava a tentar fazer o seu melhor. Até os monárquicos assim pensavam. Quase diria que, na altura, nunca ninguém tinha visto um boy. Sabia-se que existia, mas cá, de certeza, que ainda não havia disso.

Tal como nesses tempos, estamos em crise e há medidas a comunicar ao país. Só que, quando vemos o metrosexual Sócrates e o pobre Cavaco na televisão, desde logo,o nosso cérebro recusa violentamente a ideia de que representam a República. Em seguida, a nossa vontade é a de mudar, imediatamente, de canal (felizmente a tv cabo já foi inventada e temos setenta canais à disposição). E à última da hora só não mudamos para a fox life, para a 20ª repetição do episódio da série Irmãos e Irmãs em que a Kitty descobre que sofre de cancro, porque pensamos: Deixa lá ver o que estes vão dizer para saber onde é que esta palhaçada vai acabar!

E é quase sem espanto que ficamos a saber o que já sabiamos. Que em vez de representarem a República, eles e os seus boys não hesitam em tornar sua a res publica. Que em vez de darem o seu melhor pelo país, fazem-no pelos seus interesses privados. Que usam e abusam da comunicação social para manipular e aterrorizar o povo, que já não sabe no que acreditar. Que todos os outros políticos farão exactamente o mesmo quando colocados no seu lugar. Para onde terá ido a República? Que saudades da inocência e da palavra portugueses a invadir o meu jantar.

3 comentários:

Belinha disse...

Há alguns anos... para a moça que não quis aceitar um acordo razoável a palhaçada acabou mal...
Esta não creia que tenha melhor sorte ....

suprónia insuflávia disse...

A nossa República se calhar aos 100anos morreu de velhinha (aquelas maminhas carnudas descaíram secas e corrompidas).Devia poder reincarnar em alguém, como acontece com o Dalai Lama.

mouche albértine disse...

estou com um perigoso espírito anarquista bombista. a república parece-me uma velha e triste puta de mamas gastas que já não vale o que se lhe paga.