quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Felicidade ( s )

Cresceu na Chacara da Fumaça, e foi lá que ao som do Samba, ainda menina, se enrolou, primeiro nos braços e depois nos abraços de Zé João, homem rude, que não resitira á frescura dos seios roliços, que se debruçavam, todos os dias, no balcão da venda de hortaliça.

Zé João saciou a vontade e o desejo, que a frescura haviam despertado, durante cinco longos anos, e partiu depois, sem palavras, como chegara, deixando-a, murcha e sem viço, tal como as hortaliças no final da venda... e com os frutos do desejo incontido: João José e Manuel João.

A braços com a venda, e sem os abraços, que lhe desgastaram o viço e lhe deixaram duas bocas para sustentar, Malu, entregou o negócio e o coração a um chileno emigrado, que chegara ao Brasil em busca de sol, caipirinhas, e mulheres, que o fizessem esquecer a paixão por Dolores, mulher de vários homens e de muitas artes, nas quais, todos os que caiam na sua cama, se deixavam enredar.

Malu e Diego... viram dias a fio nascer o sol... partilharam desejos... cansaram dias e noites... e cansaram-se da dureza dos dias e de não poderem saciar os rapazes só com o amor que sentiam....
Na favela onde viviam cada um ditava as leis porque regia a vida....

Um dia à beira do desgaste e da escassez de meios, que não se bastava com afectos, Malu e Diego, juntaram os proventos de um negócio de guaranás e goiabas, e rumaram a Lisboa com os rapazes, quase adolescentes.

Diego não teve dificuldade em arranjar emprego numa fábrica de rolhas na margem Sul... onde não lhe exigiram documentos, nem legalização. Os rapazes passaram também a acompanhá-lo e a ajudar, na embalagem de rolhas e tampas....

A pouco e pouco foram ganhando o respeito e a consideração de companheiros e vizinhos....a que não foi alheio o facto de morarem paredes meias com o Palácio de Belém...chegando a ser apelidados de « amigos do Presidente »...

Malu ganhou ainda a confiança da patroa a quem passou a servir diáriamante, na gestão doméstica....
Depois, rendeu-se à facilidade de meios, à escassez de controle e ao excesso de confiança, e passou a fazer render o tempo...servindo no mesmo horário e com cumulação de salários, a patroa, o ex-marido e uma amiga, desta...

A vida começou finalmente a sorrir a Malu e Diego.... os quatro salários e os dois subsidios de desemprego, deixaram-nos amealhar alguns cêntimos, que se engrossaram em euros, e lhes permitiram comprar um carrito em segunda mão, que Diego conduz, velozmente, e sem carta, aos fins-de-semana, na Marginal... e à segunda-feira à noite, para ir levar Malu ao shopping onde, omitindo sempre a emissão de facturas, factura mais uns euros, alongando com gel as unhas das madames....sem tormentos de IVA....e com a serenidade permitida pela estabilidade conjuntural....

Quando alguém um dia lhe disse que podem ter problemas com a policia e com a lei.... Malu respondeu incrédula:
- Pouxa, neste País tudo é crime?!?! Não acredito, não!

Malu e Diego vivem o dia a dia serenos e são agora completamente felizes....
E, enquanto os patrões mantém a televisão ligada, na expectativa de ver o desfecho da palhaçada.... eles agarram no comando, desligam a TV.. e saiem, gargalhando, para encontrar um boteco e beber uma caipirinha....






2 comentários:

missangas disse...

LOL! É mesmo assim! O problema é que a "palhaçada" também vai sobrar para eles!

mouche albértine disse...

essa vida relaxada é a outra face ( a boa) da moeda dada pelos patrões que não os quiseram legalizar, não será?