sexta-feira, 15 de outubro de 2010

história de uma bancarrota

Era muitas vezes um pai de família que ganhava 1.000€ e que queria comprar uma casa por 100.000€.
Pediu um empréstimo ao banco.
Ficou com um défice nas suas contas de 99.000€, mais coisa menos coisa, mas nunca pensou nisso.
Depois quis comprar um carro e pediu outro.
Depois quis mobílias novas e um LCD e telefonou para uns senhores que lhe emprestaram o dinheiro, sem muitas perguntas e sem que fossem preciso fiadores.
O défice das suas contas já não tinha conta, nem ele sabia qual era.
Um belo dia ia a passar no centro comercial, onde tinha ido resmungar porque o canal de desporto não estava a funcionar bem lá em casa, e ofereceram-lhe um cartão de crédito, azul, com 500€ à sua disposição.
Vinha mesmo a calhar, porque quando tinha de levar o carro à revisão ou pagar os livros escolares o dinheiro faltava e tinha de ir pedir favores à avó de família, que esperava pelas férias e pelo Natal para receber o que generosamente emprestara, embora com juros, que não era nenhuma santa…
Deitava-lhe contas que o cartão cobriria agora as pequenas faltas e que o 13º e o 14º também haveriam de cobrir as despesas do cartão, sem pedir favores a ninguém.

Na ceia de Natal de um desses gloriosos anos, a irmã Manuela, à vista de uma fabulosa pista de comboios e de um aeroporto modelista oferecido aos sobrinhos (que, em boa verdade, mais embevecia o pai de família), comprados com o cartãozito azul, avisou o pai que aquilo eram despesas a mais e que estava preocupada com o futuro dos sobrinhos, que ainda haviam de sofrer com tanta prodigalidade.
O rating da família estava a contas com a desgraça, disse-lhe a irmã, mas o pai de família achou que, não notando nada, logo se via.

Sem que o pai de família soubesse, ou lhe interessasse por aí além, o negócio começou a correr mal aos senhores do telefone; parece que tinham emprestado dinheiro a impulsos telefónicos a gente que não tinha como pagar!
O banco que todos os meses recebia do pai de família as prestações do empréstimo da casa, comprou, aos senhores do telefone, a dívida das mobílias e do LCD do pai de família, passando a receber todos os meses as prestações que ele pagava.
A seu tempo, o banco precisou de reforçar o seu capital, à conta de impulsos também exagerados, e vendeu a dívida das mobílias e do LCD a um banco estrangeiro; não importa de onde, o pai de família não soube e não quis saber, pagava sempre o mesmo.

Num dia mau, o pai de família despistou-se ao volante do seu carro, que ficou em muito mau estado.
O seguro, contra terceiros, não servia para nada.
Corria o mês de Janeiro, não havia subsídio à vista e o cartãozito azul não dava para aquilo, mesmo que ainda tivesse dinheiro disponível, que já não tinha.
Havia que pedir à avó de família, mais uma vez.
Mas a avó, numa conversa com a mãe, apercebeu-se do rating da família, a contas com a desgraça.
Com medo de que nunca viesse a receber o capital, exigiu-lhe juros elevados, que devia pagar todos os meses, sempre era algum que não se perdia.

Não havia outro remédio senão aceitar.
Mas havia que acalmar a avó, não fosse necessário recorrer-lhe outra vez e enfrentar nova e sufocante subida de juros.

Que fez o pai de família?

5 comentários:

missangas disse...

Reduziu o pão dos filhos em 10% e pô-los a dormir ao relento, revogando-lhes o direito de co-habitar em sua casa com fundamento no facto de se tratar de uma mera liberalidade.

mouche albértine disse...

candidou-te a 1º ministro e foi dar cabo ds vida de uns gajos que nasceram do amor que existe entre deus e o diabo?

Belinha disse...

Todavia, os filhos obedientes, habituados à mediocridade instalada na familia... choramingaram durante alguns dias.... adaptaram-se.... e continuaram as suas vidas tristonhas, monotonas ... e resignadas...

solarenga disse...

Matou a velha usurária, esfaqueando-a trinta vezes e apoderou-se do dinheiro. Quanto aos papéis das dívidas, comeu-os!
Depois, durante um tempo, aterrorizou-se com o crime e castigo. Porém, um dia, viu o Match Point e sossegou.

suprónia insuflávia disse...

Foi de imediato pedir um certificado do curso de que ainda lhe faltava acabar umas cadeiras a uma universidade, ela própria em bancarrota e sempre a precisar de liquidez. Preocupado com a situação do seu país, inscreveu-se na concelhia do partido do Governo, numa tentativa de mudar o sistema opor dentro. Passou, a partir dessa data, a intervir activa e politicamente como um bom cidadão. Percebeu que não era preciso trabalhar muito nem estudar dossiers muito complexos - bastava-lhe jantar fora com as pessoas certas (e à borla) e sair-se com umas tiradas certeiras que ficassem bem nos jornais e que agradassem ao líder máximo. Passado uns tempos, o próprio pai de família surpreendeu-se com um convite para, atentas as suas notórias competências, integrar os quadros da administração de uma empresa pública. Recebeu o cartão de crédito de que necessitava (sem plafond). O carro acidentado foi para a sucata sem preocupações - tinha agora um BMW com estofos em pele e motorista. A avó recebeu a sua dívida e babava-se de orgulho. O país acabou na bancarrota, mas as finanças da família estavam equilibradas. Happy end.